Coluna #18: Metal do Diabo

“Quanto estão dispostos a pagar-me para vos entregar Jesus? ” – Perguntou Judas Iscariotes. Deram-lhe então trinta moedas de prata. Assim é contada a história da traição de Jesus no evangelho de Mateus, e não foi à toa que a prata ganhou o apelido de “metal do diabo”.

São muitas as alcunhas atribuídas a prata: o “dinheiro popular”, “ouro dos pobres”, “irmãozinho do ouro”, e o “metal dos comuns”. A maior parte delas faz referência aos usos do metal como dinheiro, assim como o ouro – sobre o qual escrevi no artigo anterior (link aqui). Podemos imaginar, portanto, que os mesmos fatores que estão empurrando o ouro para renovar as máximas históricas se apliquem a prata.

Mas existem algumas diferenças importantes. Este metal, ao contrário do ouro, tem farta demanda industrial – isso se deve em grande parte ao seu preço mais baixo, o que torna algumas aplicações economicamente viáveis. Um grama de ouro compra, hoje, cerca de 70 gramas de prata (e aqui entendemos o porquê de ser apelidado como ‘ouro dos pobres’).

A prata já foi muito utilizada como moeda, ou como investimento. Hoje, no entanto, também é utilizada em painéis solares, filtragem de água, joias, ornamentos e utensílios, condutores elétricos, espelhos especializados, na catálise de reações químicas, fotografia, desinfetantes, entre muitas outras aplicações específicas.

Por conta disso, a prata detém uma qualidade diferente do ouro – além de ser utilizada como um ativo capaz de proteger o poder aquisitivo de seus investimentos, é beneficiada pela demanda industrial. Cerca de metade da demanda global pelo metal é industrial. Desta forma, conforme a atividade industrial global começa a se recuperar do período pós-pandemia, podemos esperar uma demanda mais alta.

O mercado já está se antecipando. Todos falam do rally do ouro, mas o desempenho da prata foi muito mais violento. Só neste ano, o “metal do diabo” acumula alta de 59% (contra 34% para seu irmão mais rico). Desde as mínimas de março, a prata esbanja uma estonteante valorização de 136% (contra míseros 38% para o ouro). Mas sejamos justos – enquanto o metal dourado cedeu apenas 13%, a prata perdeu 1/3 de seu valor no pior momento da crise.

Não é de hoje é que o preço da prata é muito mais volátil – na crise de 2008, o preço por onça saiu de pouco mais de 8 dólares para a máxima histórica de quase 50 dólares – no espaço de pouco mais de 2 anos. Para alcançar sua máxima de 2011, ainda restam mais de 30% de alta, sem considerar a inflação do período.

Por conta disso, alguns investidores começaram a alocar prata em seus portfólios. A lógica aplicada ao ouro se repete. Em um mundo no qual os bancos centrais imprimem moeda para salvar suas economias, o dinheiro vale menos. Faz sentido começar a investir em alternativas ao dinheiro – pelo menos enquanto o Federal Reserve e seus pares não forem capazes de imprimir metais preciosos.

A BM&F não disponibiliza, ainda, contratos futuros de prata (os contratos de ouro existem, mas são bastante ilíquidos). Desta forma o investidor brasileiro que deseje exposição ao metal por instrumentos financeiros deverá buscar um fundo passivo no Brasil, ou operar nas bolsas internacionais. Nos mercados americanos, existe um ETF destinado a investir em prata física (com ticker SLV, oferecido pela iShares), e outro, bastante líquido, que investe em uma cesta de mineradoras de prata (com ticker SLV, oferecido pela Global X). Ambos têm taxas de administração baixas. É um ativo interessante para a diversificação do portfólio.

Uma alocação em metais preciosos pode servir como proteção contra uma eventual desvalorização do dinheiro global. A quantidade de moeda oferecida pelos Bancos Centrais não tem mais limites, desde o colapso de Bretton-Woods. Enquanto isso, toda a prata disponível no mundo cabe em 70 piscinas olímpicas – com uma “nova” piscina sendo ofertada a cada ano pela produção das mineradoras. Uma commodity com múltiplos usos, demanda crescente e oferta estática (e provavelmente declinante) costuma se traduzir em preços mais altos. A ver.

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