Zeitgeist 2023 – Parte 2: Amazônia Pré-Colombiana, Carbono e Petróleo

 

                A Amazônia Legal Brasileira estende-se por mais de 5.217.423 km², abrangendo cerca de 61% do território total do Brasil. Se considerada um território independente, a Amazônia seria o sexto maior país do mundo, ficando atrás apenas da Austrália, que possui 7,7 milhões de km². Além das fronteiras brasileiras, o bioma amazônico cobre uma área total de 6,9 milhões de km², reforçando sua magnitude e importância global.

               Historicamente, a maior floresta tropical do mundo foi vista como uma vasta região virgem e intocada, um bastião de biodiversidade preservada longe da influência humana. Contudo, uma série de estudos recentes, incluindo um artigo publicado na prestigiosa revista Science no final do último ano, começou a desafiar essa noção. Essas pesquisas sugerem que a interação humana com a Amazônia pode ser mais antiga e complexa do que se acreditava anteriormente.

“O estudo indica que a floresta amazônica pode não ser tão intocada quanto muitos pensam, já que quando buscamos uma melhor compreensão da extensão da ocupação humana pré-colombiana na região nos surpreendemos com a grande quantidade de sítios ainda desconhecidos pela ciência” (Vinicius Peripato, pesquisador do Inpe)

              Avanços tecnológicos, especialmente o uso do Lidar, uma tecnologia desenvolvida inicialmente para fins militares que utiliza pulsos de luz laser para penetrar a cobertura vegetal, têm sido fundamentais na revelação de estruturas arqueológicas escondidas na Amazônia. Ao contrário das imagens de satélite, limitadas a áreas desmatadas, o Lidar possibilita uma visão clara do solo da floresta, mesmo sob densa vegetação, abrindo caminho para descobertas que provam a existência de civilizações complexas na região muito antes do previsto, desafiando as percepções anteriores sobre a história humana na Amazônia.

          

Distribuição geográfica de terraplanagens geométricas pré-colombianas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia.

            Em um estudo abrangente, pesquisadores analisaram apenas 0,08% da Amazônia e descobriram 24 estruturas anteriormente não catalogadas. Utilizando-se de padrões de agrupamento de árvores frequentemente associados a assentamentos indígenas, além de dados obtidos por satélite, estima-se que possam existir mais de 10.000 estruturas pré-colombianas ainda por serem identificadas na vasta região. Complementarmente, outras pesquisas apontam que aproximadamente 10 milhões de indivíduos habitavam vilarejos amazônicos antes do contato europeu, sugerindo uma densidade populacional e complexidade cultural significativamente maiores do que se acreditava anteriormente.

             A descoberta de que a Amazônia sustentava uma população vasta antes da chegada dos europeus levanta questões sobre o subestimado potencial de exploração sustentável da floresta. Afinal, a região é pobre, carente de recursos, e há consenso de que a floresta deva permanecer de pé. A mata abriga a mais vasta biodiversidade do planeta, e é fundamental para o equilíbrio climático, particularmente na busca por menos emissões de carbono.

             A monetização de créditos de carbono surge como uma estratégia promissora para valorizar ações de conservação na Amazônia, incentivando o desenvolvimento de projetos voltados ao combate das mudanças climáticas. Nesse modelo, créditos de carbono, equivalentes a uma tonelada de carbono não emitida, são gerados por iniciativas como energia renovável, reflorestamento ou preservação florestal. Isso permite que empresas responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa compensem suas emissões, adquirindo esses créditos. Projeções indicam que, através desse mecanismo, a Amazônia brasileira tem o potencial de gerar 120 bilhões de dólares em receitas de crédito de carbono até 2030.

            Como nem tudo no Brasil é tão simples como poderia ser, alguns problemas começaram a surgir. No ano passado, uma investigação do Ministério Público no Pará acusou companhias montadas às pressas de terem feito “grilagem” de grandes áreas no estado. Com a posse ilegal dessas extensões, elas foram capazes de validar esses créditos junto a entidades certificadoras internacionais, e vende-los a uma série de empresas de destaque, como a Boeing, a Air France e o Liverpool. Podem ter sido gerados cerca de R$41 milhões de reais com a venda desses créditos fictícios em 2021. Ninguém sabe para o bolso de quem foi esse dinheiro.

“Foram projetos de gaveta, projetos no papel, que efetivamente não operaram qualquer proteção ambiental nessas áreas de floresta na Amazônia”. (Andreia Barreto, defensora pública agrária)

           O mercado de carbono não é regulamentado ainda no Brasil, sendo considerado voluntário – mas consta como uma das prioridades para o governo federal em 2024. Apesar das fraudes, o mercado de carbono irá amadurecer – e as empresas deverão aprender que existem complexidades em fazer o devido due diligence em uma região como a Amazônia.

Comunidade ribeirinha em área de assentamento estadual nas margens do rio Anapu, em Portel. A região foi utilizada para a venda fraudulenta de créditos de carbono.

            Paralelamente a isso, existem outras formas de se explorar a região amazônica – mas dos quais a sustentabilidade passa longe. Quem dá o exemplo é a Guiana, nosso vizinho ao Norte, que descobriu petróleo em suas águas. Esse achado transformou a economia do país: em 2022, o PIB guianense cresceu impressionantes 63%, com expectativas de um aumento adicional de 38% em 2023. Tal expansão econômica elevou a renda per capita da Guiana a níveis comparáveis aos de Portugal, marcando uma virada dramática para um país que antes figurava entre os mais pobres da região. O boom econômico foi tão significativo que atiçou até pretensões bélicas em seus vizinhos venezuelanos.

Crescimento da economia da Guiana nos últimos anos.

            A região onde foi encontrado o petróleo se estende pela costa sul-americana até o Rio Grande do Norte, representando um vasto potencial para a exploração de petróleo, comparável ao do Pré-Sal. Um dos projetos mais significativos do Brasil está na bacia da Foz do Amazonas, uma área de alta sensibilidade ambiental. Uma das licenças requisitadas pela Petrobras para perfurar a região foi negada pelo Ibama, gerando uma controvérsia que reflete o constante dilema entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. A decisão será revisitada ao longo deste ano.

“Não restam dúvidas de que foram oferecidas todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos de seu projeto, mas que este ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”. (Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, em nota oficial negando a licença)

          O embate entre a necessidade de preservar a Amazônia e o ímpeto por desenvolvimento econômico na região é um dilema que persistirá indefinidamente. Enquanto a floresta continua a enfrentar desafios severos, como os apontados aqui (e nem mencionamos o garimpo ilegal, por exemplo), há motivos para otimismo. Descobertas recentes sobre a história de uso sustentável da Amazônia e inovações na maneira de conciliar desenvolvimento com conservação ambiental oferecem uma janela de esperança. Esses progressos refletem um crescente reconhecimento da importância de abordagens equilibradas que honrem tanto o valor imensurável da biodiversidade da Amazônia quanto as necessidades econômicas das comunidades locais.

 

Referências

[1] Over 10,000 Pre-Columbian earthworks are still hidden throughout Amazonia (https://eprints.whiterose.ac.uk/203912/1/ade2541_CombinedPDF.pdf)

[2] Cidades interligadas de 2,5 mil anos são descobertas na Amazônia (https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/cidades-interligadas-de-25-mil-anos-sao-descobertas-na-amazonia/)

[3] Fraude na Amazônia: empresas usam terras públicas como se fossem particulares para vender créditos de carbono a gigantes multinacionais (https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2023/10/02/fraude-na-amazonia-empresas-usam-terras-publicas-como-se-fossem-particulares-para-vender-creditos-de-carbono-a-gigantes-multinacionais.ghtml)

[4] Scandal bares the problems of the Amazon carbon credit market (https://www.ft.com/content/4cb93468-d9bd-4dbc-84bc-77e2b3739a7a)

[5] Ibama decidirá sobre Margem Equatorial em 2024, diz Agostinho (https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/ibama-decidira-sobre-margem-equatorial-em-2024-diz-agostinho/)

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