Coluna #13: O brilho de Hong Kong

Quem visita mostras de artefatos arqueológicos da civilização chinesa nota um elemento comum entre muitas das peças: o uso de uma gema peculiar. A pedra de jade tem um tom verde vibrante, como de uma esmeralda, e foi utilizada para construir artefatos decorativos e religiosos desde os primórdios da nação oriental, há cerca de 3000 anos. Seu simbolismo permeia a cultura da região até hoje. Nos protestos pró-democracia que estão acontecendo em Hong Kong, um lema se destaca: “melhor ser uma peça quebrada de jade do que um pedaço inteiro de cerâmica”.

A pequena ilha de Hong Kong, no sul da China, é saturada de simbolismo histórico. Após ser humilhantemente derrotado na primeira guerra do ópio, o imperador chinês se viu forçado a entregar o território aos ingleses, que lá estabeleceram uma colônia em 1841. Mais de cem anos depois, em 1997, os ingleses encerraram seu domínio sobre a região, devolvendo Hong Kong a Pequim. Estabeleceram uma condição, no entanto. Dentro do princípio de “Um País, Dois Sistemas”, a região de Hong Kong teria sua democracia, capitalismo e modo de vida preservados por cinquenta anos, até 2047.

Hoje, a região funciona, na prática, como um país separado sob tutela da China. Hong Kong tem uma moeda própria, e os impostos cobrados na ilha não financiam a Pequim. Pode manter relações comerciais e culturais independentes com outras nações, mas a diplomacia oficial é mediada pela chancelaria chinesa. Hong Kong tem passaporte próprio, e uma fronteira controlada com Macau e com a China. Os representantes populares no Executivo e Legislativo são eleitos, mas Pequim exerce poder de veto sobre os candidatos. A defesa fica por conta do Exército Popular da China. Suas leis são, por fim, regidas pelos princípios da common law, herdada dos tempos coloniais britânicos.

A esperança do Ocidente era de que os hábitos democráticos de Hong Kong acabassem liberalizando a China, e que o continente acabasse adotando as práticas democráticas da ilha. Passados mais de vinte anos desde a descolonização, não é isso que vem acontecendo. Desde o ano passado, os habitantes da ilha vêm se manifestando contra repetidas tentativas de Pequim de estabelecer uma lei de segurança nacional que contorna a promessa de autonomia por cinquenta anos. O movimento vem sendo enxergado como uma intrusão chinesa que fere de morte o Estado de Direito vigente hoje na ilha, submetendo na prática Hong Kong às cortes da China continental.

A prosperidade econômica da ilha não se dá por acaso. Desde seu período colonial e especialmente após as reformas econômicas da China, Hong Kong enriqueceu prestando-se a um papel essencial: um local a partir de onde o Ocidente poderia se aventurar no novo modelo econômico Chinês, e onde a Pequim leninista poderia interagir com o mundo globalizado. Esse status especial permitiu que a ilha contasse com uma série de vantagens comerciais estabelecidas em tratados com diversas nações. Hong Kong tornou-se um dos principais centros financeiros e comerciais do mundo, ao lado de Nova York e Londres.

Mike Pompeo, o chanceler americano, disse que não é mais possível afirmar que Hong Kong mantém um nível de autonomia razoável diante da China, colocando em risco o regime comercial favorável que a ilha detém com os Estados Unidos. Londres está ponderando oferecer uma possibilidade de cidadania britânica à parte da população de Hong Kong. E os habitantes da ilha tomaram mais uma vez as ruas, o que resultou em conflitos violentos com a polícia.

A falta de perspectiva sobre o futuro da ilha vem deprimindo os mercados locais. Enquanto seus vizinhos na Ásia já recuperaram grande parte das perdas incorridas em virtude da pandemia, o índice Hang Seng da bolsa de Hong Kong permanece bastante próximo das mínimas de março, nos múltiplos mais baixos dos últimos dez anos. A comunidade estrangeira residente na ilha, assim como as multinacionais lá estabelecidas, começa a contemplar mudanças. Será que não faz sentido operar a partir de Kuala Lumpur, ou de Singapura? Mesmo que o regime atual seja preservado por mais tempo, como será após 2047?

Hoje, é impossível dizer. Mas o brilho de Hong Kong, assim como o de um pedaço quebrado de jade, parece estar se esvaindo cada vez mais rápido.

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