Coluna #06

Bolsa não é PIB… nem aqui nem lá fora.

Especialmente em relação ao Brasil, temos ouvido essa frase para defender a tese de que devemos comprar bolsa, mesmo com a atividade seguindo em ritmo apático. A tese se sustenta na teoria e também na prática. Na teoria porque uma parcela reduzida da atividade nacional está listada. Na prática porque enquanto o patamar de atividade atual é aproximadamente o mesmo daquele de 5 anos atrás, o Ibovespa rendeu quase 60% em dólares desde então.

Existe um paralelo particularmente dramático em outro país, bastante distante do Brasil. De acordo com o FMI, sua economia contraiu -4.8% em 2018. Estima-se que tenha despencado outros -9.5% em 2019. A taxa de desemprego subiu de 14.5% em 2018 para 16.8% no ano seguinte. As expectativas dão conta de que a economia deve seguir estagnada, sem crescimento, em 2020. Falo do Irã.

Apesar da catástrofe econômica, a bolsa de Teerã teve o melhor desempenho do mundo em 2019. Em dólares americanos, seu valor mais do que dobrou no ano. E provavelmente você não leu sobre isso em nenhum jornal de finanças.

Os iranianos não tiveram uma vida particularmente fácil ao longo dos últimos anos – em uma escala diferente, viveram um colapso econômico parecido com o experimentado pelos brasileiros entre 2015 e 2016. Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reimpôs sanções sobre a república islâmica em 2018, e economia estava apenas ensaiando uma recuperação da época anterior de sanções. A moeda local, o Rial, perdeu cerca de 60% de seu valor no ano (qualquer semelhança com o Real é mera coincidência). A inflação disparou para acima de 20% ao ano, chegando a quase 40% anuais ao longo de 2019.

Mas em meio a uma economia em queda livre, o acordo nuclear sendo abandonado e os rumores de guerra – aquecidos especialmente nesse ano, com o assassinato de Soleimani – os papeis de empresas iranianas seguiram em alta forte.

Com as sanções, o povo iraniano teve que economizar. Algumas pessoas se viram forçadas a trocar o almoço em seu restaurante favorito de kebabs por um chocolate na hora do almoço. Com o país fechado para comércio, não seria possível importar doces de fora. Uma empresa se beneficiou enormemente: a fabricante iraniana de biscoitos, a Gorji Biscuit. O valor da companhia se multiplicou por 5 ao longo de 2019.

Outra empresa fabricava pastas de dente e sabonetes. Ainda outra era produtora de detergentes líquidos. Essas também foram beneficiadas pela súbita ausência de concorrentes chinesas no mercado, e seus lucros multiplicaram por quatro.

Hoje o mercado iraniano continua barato – e extremamente restrito. Com as sanções, é muito difícil remeter dólares para o país para fazer investimentos. O Irã hoje está no seleto grupo nas últimas fronteiras do capitalismo global, junto a países como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. São países que, ao se integrarem aos demais, por vezes oferecem oportunidades magníficas de investimento.

Mas a maior lição para o investidor é que, efetivamente, o lucro das empresas listadas pode se descolar completamente dos dados de atividade. Ao se tornar sócio de uma empresa, observe sua perspectiva de lucros. A dinâmica do PIB é apenas mais um fator a se considerar. Os iranianos que o digam.

 

 

Posts Relacionados