Coluna #05

Na Pretoria de 1971, em pleno apartheid sul-africano, nascia um garoto. Desde cedo ele desejava empreender. Saiu de lá, eventualmente chegando ao Vale do Silício. Construiu diversas empresas (entre elas a PayPal), tendo uma sequência de sucessos, pontuada por alguns fracassos. De olho em um futuro mais sustentável para a humanidade, resolveu desenvolver uma startup de carros elétricos. A história que conto é de Elon Musk – e de sua muitíssimo controversa Tesla.

A Tesla se tornou a mais valiosa montadora de carros do mundo neste ano de 2020, e no momento que escrevo essa coluna, vale estratosféricos 132 bilhões de dólares – superando de longe a Volkswagen, que vale “míseros” 95 bilhões. A Petrobras, mais valiosa companhia brasileira listada, tem um valor de mercado também inferior a 100 bilhões. Mas o que levou a montadora de Elon Musk a ser tão bem avaliada pelo mercado?

A admiração ao redor de Elon Musk, que seus críticos chamam de “culto”, e o hype em torno da Tesla, não vêm de hoje. Quando ele decidiu montar a empresa em 2003, seu plano de negócios era primeiramente fabricar um carro para os super ricos, produzindo poucas unidades, e usar os ganhos para derrubar os custos e ganhar escala. Com uma escala suficientemente grande, os custos se comprimiriam o suficiente para que o carro elétrico se tornasse competitivo e contasse com a adesão das massas. A Tesla venceria ao se tornar a pioneira na vital transição para uma economia global de baixo carbono.

O grande problema dos planos de negócio, no entanto, é que enquanto o papel aceita qualquer coisa, a realidade impõe desafios significativos. Com metas incrivelmente ousadas de produção, problemas de queima crônica de caixa, e obstáculos de engenharia dificílimos, a Tesla encontrou imensas dificuldades pelo caminho. Conforme a empresa inevitavelmente decepcionava as expectativas do mercado, criou-se uma comunidade de investidores céticos.

Aqui cabe um pequeno adendo. Quando uma empresa listada na Nasdaq declarava falência, ao ticker dela era adicionada a letra Q. O ticker de Tesla é TSLA. A comunidade dos céticos orgulhosamente se chamava, portanto, de TSLAQ. Todos eles estavam “short” na empresa – montaram posições vendidas a descoberto, na expectativa de lucrarem com a queda das ações.

O fato de Musk ser um presidente de conselho particularmente provocador, e da comunidade TSLAQ ser composta principalmente por investidores pessoa física, acabou promovendo episódios que certamente entrarão para a história do mercado financeiro.

Em uma delas um investidor chamado Randeep Hothi conduziu um drone para dentro de uma das fábricas da companhia em Fremont, expondo que os carros elétricos estavam sendo montados a mão e contrariando as declarações de Elon Musk de que a linha de produção estava completamente automatizada. A contínua persistência do clube TSLAQ, que beirava a ilegalidade, acabou envolvendo advogados e a comunidade chegou a levantar, em uma “vaquinha”, mais de 100.000 dólares para custear as despesas legais do acusado.

Noutro episódio, contrariando todas as boas práticas de governança nos Estados Unidos, Musk disse em seu Twitter pessoal, em pleno pregão, que tinha conseguido levantar dinheiro para fechar o capital da Tesla, a um prêmio de cerca de 20% sobre o valor no qual ela era negociada no momento. Desnecessário dizer que o tweet precipitou uma violenta alta nos papeis da empresa, punindo severamente os vendidos. Posteriormente Musk (e a Tesla) tiveram que pagar 20 milhões de dólares cada ao regulador.

Mas a forte alta dos papeis em 2020 decorre de algo um pouco mais substantivo: pelo segundo trimestre consecutivo, a empresa foi capaz de gerar caixa e até mesmo lucro. Com os custos operacionais em queda, vendas em alta, uma nova fábrica em Shanghai e outra em construção na Europa, a Tesla parece finalmente estar se encaminhando para sua visão original: a produção em massa de veículos elétricos, cada vez mais compatíveis com os bolsos das classes médias.

A interessante saga da Tesla (e de Musk) está longe de chegar ao fim: muitos dos desafios de financiamento e de engenharia seguem presentes. Mas a história ilustra um dos problemas de operações “short”, ou vendidas a descoberto. Enquanto ao operar do lado “long” (comprado), seu prejuízo máximo será o capital colocado na operação, quem opera do lado vendido tem perdas potencialmente ilimitadas. Nos dois primeiros pregões de fevereiro, estima-se que os vendidos tenham perdido, coletivamente, mais de 5 bilhões de dólares!

Se você ficou de fora dessa história, aproveite o aprendizado bastante barato. Para a comunidade TSLAQ, o aprendizado quanto aos perigos de se operar vendido parece ter saído caro demais.

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