Coluna #01

Suponha que um ávido torcedor tupiniquim se sente para assistir a quatro jogos da Seleção, em um torneio qualquer. No primeiro jogo, o Brasil empata: 2 a 2. Após uma derrota por 3 a 1, o time se recupera e faz uma goleada de 4 a zero. Para arrematar, finaliza a série com uma confortável vitória de 3 a 1.
Um torcedor um pouco mais supersticioso poderia supor que nos jogos da Seleção a pontuação total de gols sempre somaria 4. Estaria redondamente enganado.
A tendência humana para enxergar padrões entre dados aleatórios (ou coincidências) é um viés cognitivo amplamente conhecido e estudado. Este erro de percepção é chamado de apofenia. Foi cunhado em 1959 por um psiquiatra alemão, um especialista em esquizofrenia.
Ultimamente, o mundo parece particularmente conturbado. Há alguns meses, Hong Kong é tomada por protestos que vêm se tornando cada vez mais violentos. No Líbano, o povo nas ruas acabou forçando a abdicação do primeiro-ministro. No Irã, a população ateou fogo a um prédio do banco central. E mais recentemente, as ruas de Santiago e La Paz foram tomadas por manifestantes enfurecidos, em protestos cujas consequências já somam dezenas de mortos e a queda de um chefe de Estado.
Para piorar, os mercados brasileiros já não parecem mais os mesmos. A bolsa deixou seu teto histórico para trás, o dólar renova máximas, a curva de juros começa a se ajustar para cima. Nesse contexto, alguns vêm levantando a hipótese de que, talvez, o Brasil esteja sujeito a um contágio.
São o torcedor mencionado no começo desse parágrafo.
Para começar, o único elemento comum a todas essas manifestações é que ocorreram aproximadamente ao mesmo tempo. Em Hong Kong, a população está insatisfeita com a crescente intrusão da China, desde a transferência de soberania em 1997. No Irã, o povo tomou as ruas contra a alta do preço do combustível. No Líbano, protestam por conta da crise econômica e do sistema de governo. Na América Latina, Santiago é tomada por quem acha que o Estado deveria ter uma presença maior na sociedade, e La Paz por conta de eleições problemáticas.
Não há relação de tema, não há relação geográfica, não há uma pauta comum. O que há é uma coincidência de escala global.
O Brasil não vive um momento particularmente estável. Está em um momento político de reformas importantes para a aceleração do crescimento e da robustez fiscal do país. No entanto, muitas delas – como a reforma da previdência e a flexibilização das leis do trabalho – não são exatamente populares.
A população, seja por entender os benefícios, seja pelo ainda alto desemprego, não tomou as ruas.
O Supremo alterou novamente sua jurisprudência a respeito da prisão em segunda instância, libertando o ex-presidente Lula em uma das decisões mais controversas deste ano. Afora pequenas manifestações em uma ou outra metrópole, o povo segue em casa.
Em suma, convulsões sociais são uma particularidade de cada país, e não um fenômeno especialmente contagioso que sempre irá se alastrar de uma economia para outra. O momento que o país atravessa é auspicioso – o Brasil é uma das únicas nações do mundo em plena aceleração, colhendo os benefícios de uma ambiciosa agenda de reformas que se iniciou em 2016.
Se alguém quiser vender seus ativos tupiniquins, que o faça porque acha que estão caros, ou porque a agenda de reformas será abortada, ou porque acredita que iremos viver mais uma crise aguda como as que tivemos em 2017 e 2018. Mas não venda por conta da bagunça no Chile ou na Bolívia – vieses cognitivos podem custar muito caro.

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