Ruas e estações de metrô completamente vazias. Restaurantes fechados. Centenas de pessoas quarentemadas em suas casas. A normalmente agitada área de chegadas do aeroporto quase deserta. Casamentos com todos os convidados – e os noivos – usando máscaras. Trabalhadores da área da saúde cobertos com roupas hazmat. Assim era Hong Kong nos primeiros meses de 2003, no auge da crise da SARS, a síndrome respiratória aguda grave. A epidemia envolveu especialmente os países do sudoeste asiático e o Canadá, eventualmente ceifando quase 800 vidas.
A China foi muito criticada por seu silêncio inicial a respeito do SARS em 2003, o que até rendeu um raríssimo pedido público de desculpas por parte do politburo. Sua reação ao coronavírus de Wuhan parece muito mais assertiva: os chineses estão divulgando informações para a comunidade internacional, e efetivamente quarentemaram cidades inteiras. Wuhan, onde surgiu o vírus, se tornou uma cidade isolada com mais de 11 milhões de pessoas. As festividades do Ano Novo Chinês, em Pequim, foram canceladas. No momento em que escrevo, as informações dão conta de pelo menos 633 casos confirmados na China, com 17 fatalidades. A intensidade da resposta sugere que os números podem ser muito superiores.
Para além das recomendações de prevenção que não são o foco dessa coluna, é interessante notar como os mercados reagiram a crises epidêmicas no passado.
A pandemia da gripe espanhola de 1918 é o benchmark contra a qual são comparadas todas as demais. Algumas estimativas apontam que até 40% da população mundial foi infectada, com mais de 20 milhões de mortes. Apenas nos Estados Unidos, cerca de 500 mil mortes foram atribuídas à gripe entre setembro de 1918 e abril de 1919. Em 1918, o S&P 500 (principal índice acionário da bolsa americana) caiu 24,7%, antes de subir 8,9% em 1919. A tentação de atribuir esse desempenho isoladamente à pandemia é rapidamente frustrada pela lembrança de que o período coincide com o fim da Primeira Guerra Mundial – que certamente teve grande impacto nos mercados.
A gripe asiática de 1957 também se espalhou globalmente, e ceifou de uma a duas milhões de vidas até o começo de 1958. Estima-se que cerca de 70 mil americanos tenham sucumbido à infecção. O S&P 500 subiu 24,0% em 1957, e outros 2,9% em 1958. A pandemia de Hong Kong de 1968 também não precedeu quedas relevantes nos mercados.
A crise do SARS de 2003, por outro lado, parece ter tido um impacto mais discernível nos mercados locais. O MSCI Pacific ex Japan Index, um índice de ações de empresas do sudoeste asiático, chegou a cair 13% nos primeiros meses de 2003. Encerrou o ano, porém, com uma formidável alta de mais de 40%.
Os mercados de 2020 são mais globais, mais informados, e respondem mais rápido do que em todas as epidemias anteriores. Já é possível discernir algum impacto, provavelmente atribuído ao coronavírus, em alguns setores mais específicos.
Temores a respeito de uma epidemia inicialmente restringem viagens. Conforme as pessoas ficam mais temerosas de se deslocar, os setores de aviação, turismo e aeroportuário são imediatamente afetados, com um impacto muito mais agudo nas regiões afetadas – especialmente na China e adjacências. Seguem-se cancelamentos e restrições de viagens, o que deprime a demanda por combustível de aviação e, consequentemente, o preço do petróleo. Países exportadores podem sofrer algum impacto no valor de suas moedas. Interessantemente, os últimos pregões têm demonstrado algum impacto discernível também nas empresas europeias de artigos de luxo, cujos resultados foram muito impulsionados, nos últimos anos, pelo consumo dos chineses.
Com base em todo o histórico das interações entre mercados e pandemias, podemos dizer que o impacto dessas catástrofes costuma ser localizado, e que surtos infecciosos se somam a uma série de outros fatores para determinar o desempenho dos ativos. No momento atual, os níveis de preço das bolsas globais sugerem alguma vulnerabilidade, e existem riscos relevantes para as perspectivas de crescimento global. Mas os riscos de uma pandemia global, ainda relativamente contidos, não devem ser suficientes para preceder o início de uma correção mais sustentada nos mercados globais.
Seu médico pode recomendar que você não saia de casa. A história recomenda que você também não saia de seus investimentos.