Coluna #03

Assim que aprendi a ler, fiquei fissurado em gibis. Gostava principalmente das histórias do Tio Patinhas, o que até ajuda a explicar a carreira na qual me encontro hoje. Me recordo, em particular, da história de certo vilão que teria inventado uma máquina do tempo. Ávido por conquistar o mundo, sua ideia seria depositar um centavo em uma conta-poupança, avançar cem anos no tempo, sacar uma “fortuna” acumulada em juros compostos e colocar esse dinheiro para trabalhar a favor de seu plano maligno.

Essa história não envelheceu muito bem.

Um centavo capitalizado por cem anos à taxa Selic atual resultaria em menos de R$ 0,80 ao fim do período, antes dos impostos. E se eu tivesse que chutar, diria que a inflação acumulada até o longínquo ano de 2120 deve corroer a maior parte desses rendimentos.

Como dito no artigo anterior (link), o mundo de juros baixos finalmente chegou em terras brasileiras, com consequências relevantes para a Bolsa, as empresas, e especialmente para a cotação do Dólar no Brasil. Com rendimentos tão baixos, quem deseja viver apenas com os rendimentos de seu patrimônio no Brasil irá precisar acumular um patrimônio muito maior, ou apostar em ativos muito mais arriscados. A era do “rentismo” se encerrou, pelo menos por enquanto. Se o tal vilão do tio Patinhas vivesse no Brasil, teria que desenhar outros planos.

Mas o que é novidade para os brasileiros já é a realidade há muitos anos para os japoneses e europeus. Desde a última máxima, no fim de 2008, a “Selic” europeia cedeu de 3,25% para -0,50% anuais. Já o rendimento dos bônus japoneses fez uma máxima de 0,50%, à mesma época, despencando para -0,10% anuais desde 2016. Apesar do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, nunca ter colocado sua taxa referencial abaixo de zero, por lá também os juros estão magérrimos.

Esse fenômeno global de juros baixíssimos, desencadeado a partir da crise de 2008, tem todo tipo de teoria que o explique. O envelhecimento da população, o excesso de liquidez global gerado pelos Bancos Centrais, o advento de tecnologias não-intensivas em capital, entre muitas outras. Neste espaço, ao invés de tentar explicar o que ocorreu, irei focar em uma consequência muito importante.

Quanto, afinal, você precisa acumular para a sua aposentadoria? Vamos fazer uma simulação com investimentos muito longos, que remuneram a taxas mais altas.

No começo de 2019, o rendimento das notas do tesouro, protegidas da inflação, com vencimento em 2050, estava em aproximadamente 5,5% anuais. Em linhas gerais, um capital de cerca de R$ 4,5 milhões resultaria em rendimentos mensais de R$ 20 mil, protegidos da inflação. É bastante dinheiro para juntar.

Passaram-se doze meses, e cá estamos em dezembro de 2019. Neste momento, essas mesmas notas estão negociando a um rendimento de cerca de 3,5% anuais. Para a mesma renda mensal de R$ 20 mil reais, agora você precisa acumular quase R$ 7 milhões. Um capital quase 60% maior, para exatamente o mesmo rendimento!

Se você estiver chegando na idade de sua aposentadoria, o que fazer? Não há mais tempo para acumular tanto capital excedente. A alternativa óbvia é correr para investimentos mais arriscados: fundos imobiliários, fundos de investimento, ações, entre tantas outras classes disponíveis ao investidor. Outra é se conformar com rendimentos mais baixos, e ajustar seus custos de vida de acordo com a nova realidade. Também existe a possibilidade de postergar, por mais alguns anos, a saída definitiva do mercado de trabalho.

Agora, se você é jovem, ainda tem um longo horizonte para ajustar o capital a ser acumulado. Vale planejar bem suas despesas, pensar bem seus rendimentos, e refletir sobre suas necessidades. É um exercício essencialmente pessoal.

Mais do que isso, é importante saber: a única certeza é que a situação atual não é estática. De onde estão, os juros podem ir para baixo ou para cima. Se forem para cima, provavelmente teremos uma correção do preço dos ativos, e oportunidades de melhor remuneração do capital. Se para baixo, experimentaremos o contrário. Mas se convergirmos, em alguns anos, para patamares de juros europeus ou japoneses, não há matemática que funcione: viver de renda será uma realidade tão fantasiosa como a das histórias do Tio Patinhas.

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