No mês passado, o Netflix lançou globalmente a terceira temporada da renomada série “The Crown”, que narra a história da família real britânica ao longo do reinado de Elizabeth II. Com 93 anos, 67 dos quais como rainha, o Reino que ela irá entregar a seu herdeiro é radicalmente diferente do que assumiu de seu pai em 1952.
O 5º episódio dessa temporada se passa entre 1966 e 1968. À época, vigorava o acordo de Bretton-Woods, um sistema que regia as taxas de câmbio entre as principais moedas. Basicamente, moedas como a Libra Esterlina tinham uma taxa de câmbio fixa contra o Dólar Americano, que tinha, por sua vez, uma conversão estabelecida contra o ouro.
Com um déficit em conta corrente cada vez maior e uma grande crise fiscal em mãos, o combalido primeiro-ministro britânico se viu forçado a fazer um pronunciamento em rede nacional. Harold Wilson, em um episódio de grande constrangimento que contribuiu para sua derrota eleitoral no próximo pleito, anunciou que o valor da Libra iria cair em cerca de 14% a partir do dia seguinte. Seguiu-se uma grande comoção.
A moeda, pela natureza de seu uso, é um dos grandes símbolos pátrios. O dinheiro local costuma recordar ícones do imaginário de cada país, se tornando fonte de orgulho e ficando lado a lado com a bandeira, com os monumentos, com o hino. Não à toa, episódios de grande desvalorização acabam se tornando um episódio de constrangimento, e frequentemente a taxa de câmbio ocupa o pináculo do debate político nacional.
O Brasil passou por um episódio similar em 2019, ainda que menos traumático. Desde suas máximas em fevereiro, o Real perdeu cerca de 13% contra o Dólar Americano. Quando a divisa americana rompeu suas máximas históricas, atingindo um preço de R$ 4,27 no mês passado, o fato repercutiu nos maiores jornais. A oposição culpou a incompetência do governo, que foi chamado a se defender e conceder entrevistas, e não se falava de outra coisa entre os economistas. E o Twitter emplacou a hashtag #NãoVaiTerDisney nos Trending Topics!
O fato é que nos acostumamos a enxergar um bom momento econômico com uma taxa de câmbio forte. Nos anos de ouro do boom das commodities, o Dólar chegou a negociar pouco acima de R$ 1,50 aqui no Brasil, quando o país vinha de anos de crescimento robusto e baixo desemprego. E nos períodos mais dramáticos da história nacional recente, em meio à uma profunda recessão e crise política, o Real desvalorizou brutalmente. Se, portanto, essa lógica se sustenta, porque temos uma taxa de câmbio tão deprimida em meio a uma economia em franca recuperação?
São muitos os motivos: um volume de remessas ao exterior extraordinariamente alto neste ano, um salto de importações por conta da aceleração do consumo doméstico, o choque nas exportações por conta do debacle na Argentina. Mas existe um item que parece ter causado um “dano” particularmente agudo – o produto mais popular na pauta de exportações brasileira.
Seria a soja? O minério de ferro? A carne?
Não.
O produto brasileiro mais cobiçado era o juro real.
Enquanto o mundo desenvolvido flertava com juros próximos ou abaixo de zero, o Brasil remunerava seus investidores a taxas acima de 6%, 7% ao ano, além da inflação. Eram os bons tempos do rentismo, que tão mal acostumaram os investidores domésticos, obcecados por seu retorno de 1% ao mês, livre de risco.
Conforme as taxas de juro ficaram cada vez mais civilizadas no Brasil, o apetite por comprar Reais ficou cada vez menor. Na verdade, tomar dinheiro emprestado em Reais para aplicar em juros mais polpudos de outros países, como o México e a África do Sul, parece cada vez mais razoável. E como a liquidez do mercado de câmbio brasileiro é uma das maiores entre os países emergentes, vender Reais para se proteger de risco em outras classes de ativo ficou cada vez mais interessante.
A economia brasileira está acelerando, e com uma dinâmica das mais saudáveis em décadas – o crescimento está sendo puxado pelo setor privado, e o ritmo de geração de empregos está acelerando. O fato de a taxa de câmbio estar historicamente depreciada não é, portanto, um bom termômetro para a saúde econômica do país. Para a saúde do seu bolso, no entanto, pode ser uma boa ideia trocar as férias em Orlando por uma esticadinha a Jericoacara!