Coluna #21: Porque tanta volatilidade nos IPOs

A Lemonade é uma empresa de seguros que emprega tecnologia artificial para exercer suas atividades. Em julho deste ano, decidiu captar recursos na bolsa de valores. A demanda era forte: a empresa inicialmente esperava que suas ações saíssem numa faixa entre 23 e 26 dólares por ação. Posteriormente a faixa foi elevada para entre 26 e 28 dólares, e as ações acabaram precificadas a 29 dólares cada.

No grande dia de início da negociação de seus papeis, o preço disparou. As ações da Lemonade encerraram em alta de magnifícos +139%, precificadas a $69,41! O sucesso foi imenso para quem comprou as ações no IPO, para vende-las no fim do primeiro dia. No entanto, para os investidores antes da oferta, fica a pergunta: se o mercado estava disposto a pagar mais de $60 dólares por ação, por que eles acabaram sendo diluídos a um preço muito inferior?

É muito comum que, em um OPA inicial (sigla para Oferta Pública de Ações, também conhecida como IPO – initial public offering – na sigla em inglês), o preço pós-estreia varie significativamente em relação ao valor de emissão. Mas se o preço de estreia acaba ficando muito acima do original, os acionistas originais podem sentir que acabaram vendendo barato (ou diluindo a um preço baixo) sua participação na empresa.

Vamos relembrar o processo. Uma empresa é constituída por ações. Os acionistas podem decidir tornar as ações objeto de negociação pública em uma bolsa de valores. Esse processo tem diversas vantagens: torna a empresa capaz de levantar recursos de forma mais ágil e frequentemente mais barata, e dá uma saída simples de liquidez para os acionistas, que podem transformar suas participações em dinheiro e vice-versa.

Ao decidir iniciar um processo de listagem tradicional nos Estados Unidos, os acionistas escolhem bancos para ajuda-los no processo. Escolhidos, iniciam um processo denominado road show – o que envolve conversas com investidores potenciais para explicar o modelo de negócios da empresa e atrair interesse. Posteriormente, o sindicato dos bancos decide um preço para a oferta, e esse mesmo sindicato escolhe, dentre os investidores que manifestaram interesse após o road show, quem irá levar as ações. Escolhidos os felizardos, as ações entram em leilão para seu primeiro dia de negociação pública, e é só então que se descobre, através de mecanismos de mercado, qual é o preço “justo” no qual as ações deveriam ser negociadas.

Existem dois problemas óbvios nesse processo. O primeiro: apesar de quase todos os ativos no mercado serem precificados em um leilão tradicional, que busca achar o preço que equilibra a demanda e a oferta, o processo tradicional de IPO não se utiliza de uma abordagem de mercado. O segundo: a maior parte dos investidores em potencial não participam do processo, dado que os bancos de investimento querem garantir o acesso apenas de seus melhores clientes.

Esse processo retrógado, em pleno 2020, leva a conversas interessantes entre bancos de investimento e empresas que decidem captar recursos no mercado. Os banqueiros dizem que um IPO bem-sucedido tem uma taxa de acerto de 97% (o que significa que a cada 100 investidores encontrados, 97 irão colocar ordens para serem alocados), e que a meta ótima é de uma demanda 30x maior do que a oferta.

Imagina que você decida vender sua casa, e que o corretor de imóveis te diga que o preço ideal será aquele para o qual a cada 100 potenciais compradores que você abordasse, 97 decidissem levar sua casa no ato, pagando à vista. É gritantemente óbvio que você irá vender sua casa a um preço abaixo do que conseguiria se fizesse algum esforço, e é exatamente isso que ocorre no mercado de capitais hoje. Um processo absolutamente desnecessário com a tecnologia que temos à disposição, que praticamente garante que as ações sejam negociadas abaixo do preço, e que só beneficia aos bancos de investimento e aos felizardos clientes que “flipam” (vendem no dia da estreia) as ações.

Em 2018, o Spotify decidiu abrir seu capital. Seu CFO, Barry McCarthy, decidiu que não iria entreter esse processo sem sentido, e optou por fazer uma listagem direta. É um processo mais simples e elegante. A empresa continua mandatando bancos de investimento para ajudarem com a cobertura inicial da empresa e a educação dos investidores. No entanto, remove os passos mais problemáticos. Os bancos não escolhem quem leva as ações, e qualquer investidor pode participar.

No caso do Spotify, houve um processo de divulgação pública das informações da empresa. Posteriormente, a negociação se deu em um leilão de abertura como o de outro ativo qualquer. Os vendedores determinaram um preço mínimo, e os compradores colocaram ordens. Quem ofereceu o preço mais alto, levou. Competiram em pé de igualdade investidores institucionais, bancos, fundos de pensão, e pessoas físicas. E os acionistas vendedores conseguiram se desfazer de suas ações a um preço de mercado. Um bônus: o processo de listagem direto acaba saindo mais barato para a empresa que deseja fazer sua estreia na bolsa de valores.

É um conceito relativamente novo, pouco usado, e pouco testado. Não se sabe se seria bem-sucedido para empresas menos conhecidas, ou para as quais não houvesse tanta demanda. Mas certamente é um passo na direção de um mercado mais justo para todos os participantes.

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