Coluna #20: O fim dos juros

O Banco Central dos Estados Unidos, chamado de Federal Reserve (ou carinhosamente apelidado de Fed), já tem mais de 100 anos. Foi criado em 1913, e em 1977 foi mandatado pelo Congresso com três objetivos principais: maximização do emprego, estabilidade de preços e moderação das taxas de juros de longo prazo. Os dois primeiros são frequentemente chamados do “mandato duplo” do Fed.

É interessante notar como o Fed difere de seu primo brasileiro. Enquanto o Banco Central do Brasil tem um mandato único (controle de inflação, apenas) o BC americano tem dois: emprego e nível de preços. Além disso, o BCB não conta com uma independência formal, enquanto o Fed se considera independente.

O Fed olha para esses dois objetivos porque eles efetivamente podem ser considerados em conjunto. Algumas teorias econômicas apontam que existe um nível de emprego ótimo. Suponha uma economia aquecida demais, na qual faltem trabalhadores. Com a demanda por trabalho elevada, os salários pedidos pelos trabalhadores começam a subir, o que gera inflação.

Os economistas do Fed passaram a estudar, então, qual seria a taxa de desemprego a partir da qual os efeitos inflacionários se tornassem deletérios demais – o desemprego “ótimo”, por assim dizer. Se a taxa de desemprego ficasse baixa demais, o Fed deveria então agir para conter a inflação, tornando a política monetária mais restritiva. Poderia fazê-lo através de um aumento da taxa de juros, ou elevando a exigência de reservas por parte dos bancos, por exemplo.

O mandato duplo do Fed foi reinterpretado ao longo do tempo. Nos Estados Unidos, o objetivo de estabilidade de preços foi é compreendido hoje como uma inflação estável e baixa, em 2% ao ano, ao invés de uma variação nula de preços.

Ocorre que, nos últimos anos, a inflação tem estado persistentemente baixa, apesar da taxa de desemprego dos Estados Unidos também renovar as mínimas. As empresas continuamente acusavam, antes da pandemia, a dificuldade em encontrar trabalhadores. Ainda assim, os salários permaneciam teimosamente baixos, comportados, sem nenhuma inflação significativa.

O Fed vem ficando cada vez mais preocupado com esse fenômeno. Assim como uma inflação alta e descontrolada, como ocorreu na década de 70, uma inflação baixa eleva o risco do efeito mais temido pelos banqueiros centrais: a deflação, quando os preços de uma economia entram em trajetória de queda.

Muitos economistas consideram a deflação como um fenômeno mais perigoso do que a inflação. Apesar de preços em queda serem bem-vindos do ponto de vista do consumo, eles desarranjam a economia. Se você, consumidor, passar a acreditar que os preços dos produtos que você quer consumir devem cair ao longo do tempo, você prefere esperar pela queda do que gastar agora. Se todo mundo resolver fazer isso ao mesmo tempo, o resultado é uma contração da economia.

A deflação também torna as dívidas mais difíceis de serem pagas. Se 100 dólares hoje valerem menos do que 100 dólares amanhã, isso significa que sua dívida ficou mais cara, ao longo do tempo, em termos reais.

Com os juros nos Estados Unidos novamente zerados, o Fed olha para a inflação baixa e a economia paralisada pela pandemia, e se preocupa. Quer evitar a deflação a qualquer custo, e para isso precisa levar a taxa de inflação para níveis confortavelmente mais altos. E por conta disso, o presidente do Fed, Jerome Powell, anunciou mudanças na forma como irá fazer política monetária daqui para a frente.

Primeiramente, se comprometeu a não subir juros enquanto a inflação corrente não estiver acima de 2% anuais. Antes, o Fed tentava se antecipar ao movimento, para não correr o risco de que os preços subissem de forma descontrolada. Não mais.

Além disso, o Fed não irá mais olhar de maneira simétrica para o desemprego. Antes, o Fed poderia subir juros se antecipando a uma taxa de desemprego que considerasse baixa demais (ou seja, inflacionária). Daqui para frente, ele irá agir de forma assimétrica: apenas atuando na política monetária para estimular o emprego, e não para coibir excessos.

Apesar de parecerem mudanças pequenas, representam uma significativa mudança de paradigma. Os juros devem permanecer nos patamares atuais – a zero – por muitos anos.

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