Coluna #22: Ouro Negro

Jean Paul Getty foi um homem excepcionalmente espartano, cria do século passado. Fez sua fortuna com petróleo, e foi considerado pela revista Fortune o homem mais rico dos Estados Unidos, em 1957.

Sua infame frugalidade tornou-se mundialmente conhecida quando seu neto foi sequestrado. Recusando-se a pagar a primeira demanda dos criminosos, de 17 milhões de dólares, recebeu pelo correio uma das orelhas do neto junto a uma contraproposta de 3,2 milhões de dólares. O patriarca então aceitou pagar 2,2 milhões – o máximo que poderia ser deduzido de seus impostos – e emprestar o saldo para seu filho, a uma taxa e juros de 4% ao ano. O neto foi finalmente resgatado com vida, após um confinamento de 5 meses.

Em outro incidente, Getty mandou colocar travas em todos os telefones de sua mansão, o Sutton Place, e instalou um telefone público – o antigo “orelhão” – disponível para os visitantes. Disse que muitas pessoas, entre prestadores de serviços e convidados, estavam frequentando sua residência, e a conta de telefone tinha ficado extraordinariamente alta.

Mas não foi à própria frugalidade que Getty atribuiu seu sucesso financeiro. Quando perguntado a respeito de sua receita para a riqueza, o magnata famosamente respondeu: “Fórmula para o sucesso: acorde cedo, trabalhe duro, encontre petróleo”.

Não foi à toa que o petróleo adquiriu a alcunha de “ouro negro”. Tendo definido os destinos de pessoas e de nações, foi protagonista essencial dos últimos séculos, e continua tendo um papel de primazia na economia contemporânea. Sua fama deteriorou-se – de propulsor de fortunas e impérios, passou a ser enxergado como o grande vilão ambiental, responsável primordial pelo aquecimento global.

O fim do petróleo já foi anunciado por diversas vezes. Inicialmente sua ruína foi antecipada por conta de temores de que as reservas globais estavam sendo exploradas à velocidade máxima, e a demanda crescente iria levar seus preços a patamares insustáveis. Hoje seu fim é premeditado por uma sociedade que demanda uma matriz energética cada vez menos poluente, receosa dos efeitos cada vez mais perniciosos das alterações climáticas recentes.

Os investidores no ramo do petróleo já tiveram que lidar com uma série de choques em 2020. O colapso na demanda pelo barril por conta da crise provocada pela pandemia, a subsequente guerra de preços entre a Rússia e a Arábia Saudita, preços abaixo de zero para contratos futuros, destruição maciça de empregos e dezenas de falências no setor. Mas ainda há mais por vir.

O ímpeto por reduzir a dependência econômica pelo petróleo está em jogo nas eleições americanas. Caso o candidato democrata Joe Biden vença o pleito, promete reconduzir os Estados Unidos aos acordos de Paris, gastar 2 trilhões de dólares em investimentos em energia limpa e na descarbonização da matriz energética americana.

Na política externa, Biden deve reativar o acordo com o Irã, o que permitiria que os persas voltassem a exportar (muito) petróleo. Além disso, uma administração democrata provavelmente isentaria os árabes da pressão colocada por Trump para sustentar os preços, e garantir sobrevida à indústria petrolífera Americana. Sem a pressão americana para sustentar os preços, poderemos ter uma renovação da guerra de preços entre russos e sauditas – com consequências nefastas para o preço do petróleo.

Por outro lado, o colapso nos preços do petróleo em 2020 deve ter desativado de forma permanente muitos produtores de petróleo. Caso a oferta da commodity esteja permanentemente inferior, um eventual retorno da demanda – potencialmente pela introdução de uma vacina – poderá rapidamente consumir a oferta do mercado atual. Caso os países integrantes da OPEP – o cartel do petróleo – consigam um acordo para reduzir a produção, um mercado global aquecido poderá resultar em um petróleo muito mais apreciado.

O horizonte para o petróleo continua sendo indefinido. Iniciativas de limpeza da matriz energética devem, ao longo do tempo, reduzir a demanda pelo petróleo. Mas esse processo tem horizonte incerto, e depende de vontade política e de muitos investimentos. Enquanto isso, a máxima de Getty para enriquecer deve continuar funcionando.

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