Robin Hood foi o herói de um mito inglês que ocupava a floresta de Sherwood, na Inglaterra dos tempos do Rei Ricardo Coração de Leão. Roubava dos ricos para dar aos pobres. Como nada mais é sagrado, foi outra vítima de apropriação do Vale do Silício e travestiu-se em um app famoso entre os millenials americanos: o Robinhood.
O aplicativo foi lançado em 2015, a partir de uma ideia concebida após os protestos do Occupy Wall Street de 2011. Na época, as comissões pagas para as corretoras de investimento eram da ordem de 10 dólares por ordem, o que afastava muitas pessoas dos mercados. Dois estudantes de Stanford, que haviam trabalhado no mercado financeiro, achavam que poderia haver alguma forma de “democratizar” o acesso aos mercados. Estavam corretos. Ao lançar um aplicativo que não cobrava corretagem, o interesse do grande público multiplicou-se, e a corretora tornou-se bastante popular entre investidores de varejo.
Veio então a pandemia. Muitos trabalhadores americanos foram forçados a se enclausurarem. Sem sair, ficaram com mais tempo livre e pouparam mais. Quem ficou sem trabalho, recebeu o dinheiro do auxílio emergencial, muitas vezes superior a renda recebida anteriormente. Até os esportes foram cancelados. E quem gostava de apostar, em cassinos ou em sites de apostas esportivas, ficou, de repente, procurando o que fazer.
Com tempo livre, dinheiro na mão, e presos em casa, alguns voltaram suas atenções para o mercado de ações. Ficaram ainda mais interessados ao descobrir que não precisavam pagar nem a tarifa de corretagem! A Robinhood cadastrou três milhões de contas novas ao longo de 2020 – mais do que o total de pessoas físicas com contas abertas na B3, diga-se de passagem.
Essa enxurrada de dinheiro do pequeno investidor americano foi apontada como a culpada por alguns movimentos bastante atípicos no mercado.
No começo de maio, o megainvestidor Warren Buffett anunciou que havia vendido toda a sua posição em companhias aéreas. Mais ou menos no mesmo período, milhares de contas da Robinhood começaram a investir no ETF deste setor, o JETS, que permite investir em diversas empresas do setor aéreo de uma só vez. Desde então, o preço do ETF sobe cerca de 40%. Um a zero para os “Robinhooders”.
Outro megainvestidor, Carl Icahn, anunciou no fim de maio que havia liquidado sua posição inteira na Hertz, empresa de locação de veículos, a um preço médio de 72 centavos de dólar por ação. Ao fazê-lo, realizou perdas de mais de 1,8 bilhão de dólares. A Hertz tinha acabado de pedir falência. Os “Robinhooders” acharam que o papel estava muito barato, e foram às compras. Quem comprou no dia seguinte ao anúncio viu seu investimento multiplicar por quatro num período de menos de um mês. “Robinhooders”: 2, veteranos bilionários: zero.
Acionistas de companhias que pedem falência, tipicamente, perdem quase todo o valor de seus investimentos. A reestruturação da empresa frequentemente leva a diluições dramáticas que erodem todo o valor das ações para remunerar os muitos credores. Mas a valorização das ações da Hertz foi tão dramática que a empresa está considerando emitir novas ações, para levantar 1 bilhão de dólares de capital.
Talvez esse momento inédito dos mercados seja melhor exemplificado por Dave Portnoy. Antes da pandemia, Dave só tinha comprado um papel em sua vida toda. Sem poder apostar em esportes, reativou sua conta antiga em uma corretora eletrônica durante a quarentena. Hoje seu perfil no Twitter conta com 1,5 milhão de seguidores, onde ele faz lives como “Davey Day Trader Global”, incentivando seus seguidores a comprar alguns papeis, como as ações de companhias aéreas desprezadas por Buffett. Há alguns dias, publicou em seu perfil: “Tenho certeza que Warren Buffett é uma ótima pessoa, mas quando se trata de ações, ele é antiquado. Eu sou o capitão agora”.
Alguns investidores mais experientes temem pelas consequências desse otimismo desenfreado dos especuladores de varejo, que compram papeis por conta de uma “dica quente” ouvida em algum lugar da internet. Mas a maior vítima dos “Robinhooders”, até agora, parece ter sido apenas o ego dos megainvestidores.