Coluna #09

Parada Total

A pandemia do novo coronavírus avança a passos largos, com muitas economias quase completamente paralisadas. As entradas de caixa de muitos negócios foram paralisadas. Mas as saídas, não.

É interessante acompanhar alguns índices que medem o tráfego nas lojas de um país. O fluxo de pessoas no comércio dos Estados Unidos, da Itália e do Reino Unido estão tendo uma queda de aproximadamente 80% em relação ao observado no anterior. A Suécia, que quase não impôs restrições, teve uma queda de mais de 40%. Mesmo quando o governo não ordena o fechamento do comércio, as pessoas estão mais cautelosas. A propensão a consumir também caiu, dado que muitos consumidores temem pela segurança de seus empregos.

Esse choque agudo na demanda pelo varejo off-line (em contraposição ao varejo online, que segue operante no contexto atual), vem em meio a uma crise que já se iniciou há muitos anos, conforme os consumidores se acostumaram com a praticidade de se comprar pela internet. Em 2018, a Sears abriu processo de falência. No ano passado, foi a vez da Forever 21, acompanhada por outras 23 redes nos Estados Unidos. Desde 2015, foram mais de 81 grandes falências no varejo no país, segundo estudo da CB Insights.

Do outro lado do apocalipse do varejo, estão grandes grupos que são donos dessas propriedades. Muitos deles, conforme o custo de capital global caía, fizeram as contas e viram vantagem em se alavancar. Com os juros de captações no mercado corporativo batendo recordes de baixa ano após ano, e alguns grupos conseguindo emitir dívida a juros negativos, deixar de tomar dinheiro emprestado era deixar dinheiro na mesa. Agora, conforme o fluxo de caixa começa a minguar, a situação se torna preocupante.

Por essa situação, a relação entre locadores e locatários do varejo nos EUA e na Europa já não era das mais amistosas. Mas a parada quase completa imposta pela pandemia estressou ainda mais a relação. Um grupo dono de várias propriedades na região do Trocadero londrino chegou a enviar uma carta a seus inquilinos comerciais, lojas e restaurantes, no fim de março: paguem seus alugueis ou nos encontrem no tribunal. O inusitado foi a atitude de cobrança preventiva: nenhum dos recipientes da carta havia deixado de pagar o aluguel do mês anterior. Mas o grupo achou melhor se antecipar, antes que qualquer um deles resolvesse negociar algum tipo de leniência.

O desespero é grande. Um dos sindicatos comerciais londrinos já disse ter recebido pelo menos 200 ligações, na semana passada, de comerciantes preocupados com sua capacidade de honrar os contratos.

Naturalmente, em tempos de crise aguda como essa, os varejistas apelam ao Estado. Alguns governos estão considerando implementar medidas de proteção, como proibir ações de despejo por um período determinado, de um ou dois meses. É uma medida que recebe grande apoio popular – todos imaginam que os proprietários dos estabelecimentos são capitalistas gananciosos, que não querem abrir mão de suas rendas de aluguel em um momento difícil. Mas a situação é mais complicada que isso.

Muitas vezes, os acionistas finais desses grupos (via fundos de pensão, por exemplo), são dependentes dessa renda. Muitos desses são aposentados que, não encontrando mais remuneração adequada nos títulos livres de risco dos governos nacionais, foram forçados a depositar suas economias em investimentos mais arriscados. Dependem desses alugueis para pagar suas despesas: contas de luz, seus próprios alugueis, despesas médicas e lazer. Quem vai pagar essas contas?

O ambiente é de absoluta incerteza. A única coisa que parece certa é que o mundo pós-pandêmico será diferente, e provavelmente irá desferir o golpe de misericórdia em negócios mais frágeis.

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