Zeitgeist 2022 – Parte 1: Oito bilhões

Os cientistas acreditam que, desde o surgimento do Homo sapiens, a humanidade tenha levado aproximadamente 300.000 anos até ser capaz de sustentar uma população de um bilhão de pessoas vivas ao mesmo tempo. Isso se deu (provavelmente) no longínquo 1804, ano da única revolta bem-sucedida de escravizados da história (que resultou na independência do Haiti), do descobrimento da morfina, e da première da 3ª sinfonia de Beethoven, em Vienna.

A humanidade seguiu, desde o alvorecer da civilização, sua trajetória de progresso: multiplicou a produção de alimentos, controlou uma miríade de doenças, diminuiu a mortalidade infantil e ampliou a expectativa de vida. Em menos de onze anos – uma fração de tempo 27.000 vezes inferior ao período levado para o primeiro bilhão – a população global saltou de sete para oito bilhões de pessoas.

Estimativa do tamanho da população ao longo da história humana.

Naturalmente, não temos estimativas precisas sobre a população global, seja historicamente ou em tempo real. Com base em suas projeções, no entanto, a Organização das Nações Unidas declarou que a humanidade alcançaria 8 bilhões no dia 15 de novembro de 2022.

“Esta é uma ocasião para celebrarmos nossa diversidade, reconhecermos nossa humanidade comum, e nos maravilharmos com os avanços na saúde que estenderam a longevidade e reduziram dramaticamente as mortalidades materna e infantil”. (António Guterres, secretário-geral da ONU)

Gestantes ao redor do mundo aguardaram ansiosamente pela meia-noite do dia 15, na expectativa de darem luz ao bebê que carregaria para si o título de “Bebê 8 Bilhões”. A competição foi acirrada – estima-se que 267 bebês nasçam por minuto ao redor do globo. Por outro lado, a maior parte das mães (e dos bebês) provavelmente não fazia ideia de que estaria participando.

Vinice Mabansag, nascida no Hospital Memorial Dr Jose Fabella, na capital das Filipinas

O governo das Filipinas anunciou que uma garota nascida em Manilha, às 1:29 da manhã (horário local) havia sido confirmada como a “Bebê 8 Bilhões”. Algumas horas mais tarde, a República Dominicana anunciou que havia nascido o bebê Damián, em Santo Domingo, à meia-noite. Por algum motivo foi Damián – talvez pela roupinha especial – quem venceu a competição pela atenção da mídia global. Mas o título ainda poderá ser contestado no futuro por outros 265 bebês.

Damián, ainda inconsciente do alarde provocado por sua chegada

Naturalmente, a população não cresce igualmente em todos os lugares. A ONU espera que a humanidade expanda para 8,5 bilhão de pessoas até 2030. Só que mais da metade do crescimento populacional entre hoje e 2050 deve vir de apenas oito países: Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Tanzânia.

A China, o país mais populoso do mundo, tem hoje 1,4 bilhão de habitantes – quase 18% do total. No entanto, analistas esperam que sua população esteja próxima de seu ponto máximo, com queda absoluta no número de pessoas daqui para a frente, conforme as taxas de natalidade colapsam para abaixo da taxa de reposição. Alguns estudos indicam que a população indiana deve superar a chinesa ainda em 2023.

“A virada já está aí na esquina. Não ficarei surpreso caso uma queda populacional seja reportada já no fim deste ano”. (Yong Cai, demógrafo da Universidade da Carolina do Norte, em 2022)

O tamanho da força de trabalho da China já está em contração há uma década. Hoje, cerca de dois trabalhadores são responsáveis pelo sustento de um aposentado ou uma criança, e esse índice deve piorar ao longo dos próximos anos. Ao longo dos próximos vinte anos, mais de 300 milhões de chineses já devem ter mais de 60 anos. Alguns estudos indicam que até o fim deste século, a população do gigante asiático deva ser de 800 milhões – um colapso de mais de 40% ao longo de oitenta anos, e uma “bomba” contratada no sistema de seguridade social.

Taxa de dependência total da China ao longo dos anos. Em 2021, cada 100 trabalhadores eram responsáveis pelo sustento de 46 pessoas, entre aposentados e crianças.

A velocidade da queda da população chinesa pode ser explicada por uma série de fatores locais: a política de uma criança, a seletividade de gênero neste contexto, a velocidade da urbanização. Mas está longe de ser única: muitos países estão entrando em tendências demográficas terminais, conforme sociedades ao redor do mundo atravessam os mesmos desafios.

Fumie Takimo, de 89 anos, é a fundadora e membro mais idosa de um time de torcedoras em Tóquio chamado de Japan Pom Pom. A população japonesa é a mais velha do mundo.

 O Brasil, em particular, também passa por momento parecido. O IBGE está em processo de recenseamento populacional desde o ano passado, e divulgou recentemente as prévias da pesquisa. Apesar de as informações atuais não serem definitivas, os dados indicam que somos 208 milhões de brasileiros – menos do que os 213 milhões projetados anteriormente pelo instituto. Isto indica que a população cresceu menos do que era esperado.

O bônus demográfico – período no qual a população em idade ativa para o trabalho passa a crescer num ritmo mais acelerado do que a população total – é um fator que contribui para o crescimento econômico de um país. O crescimento no número de brasileiros nas últimas décadas foi um dos maiores responsáveis pelo crescimento da economia.

“Noventa milhões em ação / Pra frente Brasil, no meu coração / Todos juntos, vamos pra frente Brasil”. (Trecho do hino semioficial da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, quando éramos menos da metade da população atual)

Capitão Carlos Alberto levanta a taça na conquista do tricampeonato mundial de futebol, no México.

Os anos 70 ficaram definitivamente para trás: caso o ritmo de crescimento daqui para a frente seja menor – ou, ainda pior, caso a população em idade ativa já esteja crescendo menos do que a população total – o bônus demográfico brasileiro já pode ter se transmutado em ônus demográfico.

“O bônus demográfico é o momento ideal para um país dar um salto no desenvolvimento humano e na qualidade de vida da população. Todos os países que atingiram um IDH acima de 0,9 passaram pela transição demográfica e aproveitaram adequadamente essa janela de oportunidade”. (José Eustáquio Diniz, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas).

O que é assustador em projeções demográficas, pelo menos em prazos mais curtos, é sua incontrovérsia. Caso as tendências de mortalidade da população não se alterem muito, é muito difícil imaginar como esses números poderiam estar errados. Afinal, toda a população que fizer 20 anos em 2042 precisa, necessariamente, estar nascida hoje – a não ser que um país adote políticas migratórias distintas. É um “destino manifesto”.

Crescimento populacional por região, na última década. A população da África Central apresentou o maior crescimento da década. 

Enquanto diversos países do norte global seguem em sua trajetória demográfica terminal, um boom populacional vem ocorrendo no Sahel e na África Subsaariana. Talvez parte desse desbalanço demográfico, exacerbado por mudanças climáticas, pudesse ser revertido por mais migração. Mas a temática migratória parece mais politicamente controversa do que nunca.

“A única maneira através da qual poderemos sair desse desbalanço demográfico será através de uma colaboração internacional bem gerida”. (Stein Vollset, pesquisador populacional da Universidade de Washington)

 

Referências

[1] Earth now has 8 billion people – and counting. Where do we go from here? (https://www.nationalgeographic.com/environment/article/the-world-now-has-8-billion-people)

[2] World population to reach 8 billion on 15 November 2022 (https://www.un.org/en/desa/world-population-reach-8-billion-15-november-2022)

[3] How Many Babies Are Born Each Day? (https://www.theworldcounts.com/stories/how-many-babies-are-born-each-day)

[4] Symbolic “Eight Billionth Baby” Born In Manila (https://www.ndtv.com/world-news/world-population-at-8-billion-symbolic-eight-billionth-baby-born-in-manila-3521828)

[5] Damian is the child who brought humanity to 8 billion (https://www.agenzianova.com/en/news/e-damian-il-bimbo-che-ha-portato-lumanita-a-8-miliardi/)

[6] Total age dependency ratio in China from 2011 to 2021 (https://www.statista.com/statistics/224941/dependency-ratio-in-china/)

[7] When will China’s population peak? It depends who you ask (https://www.nature.com/articles/d41586-022-02304-8#:~:text=After%20years%20of%20falling%20birth,decline%20between%202023%20and%202025.)

[8] Em 2022, o Brasil chegou a 207 milhões, mas vê alta populacional desacelerar (https://www.osul.com.br/em-2022-o-brasil-chegou-a-207-milhoes-mas-ve-alta-populacional-desacelerar/)

[9] Quanto tempo o Brasil tem para ficar ‘rico’ antes de ficar ‘velho’? (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45735731)

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