Acompanhado pelo seu Diretor Financeiro, o Presidente de uma empresa listada acaba de entrar em uma sala de reuniões. Lá, recebe um calhamaço de folhas de sua equipe de Relações com Investidores. Folheia nervosamente a apresentação de resultados trimestrais. Sabe, no íntimo, que os resultados irão desapontar o mercado. A novidade, desta vez, é que cada um dos termos é acompanhado de uma série de sinônimos. Cada palavra que ele disser terá que ser calculada. Eles estão ouvindo, e ele não quer que suas palavras acabem prejudicando o valor de mercado da companhia.
Poderia ser o roteiro de um filme qualquer, mas essa é a realidade cada vez mais presente na era da Inteligência Artificial. Robôs estão se conectando às apresentações de resultados, prontos para tentar interpretar qualquer nuance na comunicação: um suspiro mal colocado, um tom de voz um pouco mais animado, ou talvez uma palavra que sugira certo otimismo… ou pessimismo. Com algoritmos intrincados, as máquinas tentam operar no mercado mais rápido do que os antiquados analistas humanos jamais conseguiriam.
Existem evidências de que esse movimento cresceu muito nos últimos anos, para além do puramente anedótico. Um estudo do National Bureau of Economic Research, nos Estados Unidos¹, analisou a quantidade de downloads dos arquivos de divulgação de resultados feitos mecanicamente. Se em 2003 as máquinas baixaram cerca de 361 arquivos, em 2016 esse número já era de cerca de 165 milhões, correspondendo a 78% do total de downloads, na média, de cada arquivo.
Mas as capacidades dos robôs aumentaram, e hoje a Inteligência Artificial, através do processamento de linguagem natural, é capaz de absorver o significado de algumas nuances do discurso falado. De posse dessas ferramentas, fundos quantitativos colocaram os robôs para escutarem as teleconferências de resultados, prontos para operar rapidamente o mercado a partir do mais sutil sinal de otimismo ou pessimismo. Os executivos, que não querem ver suas palavras derrubarem o valor de mercado de suas empresas, começaram a se adaptar. Ao comunicar resultados negativos, especialmente, o fazem da forma mais atípica possível, de forma a “enganar” os robôs.
Em 2011, dos professores de finanças da Universidade de Notre Dame, Tim Loughran e Bill McDonald, compilaram uma espécie de dicionário específico para finanças. A ideia era justamente categorizar palavras tipicamente usadas para comunicar resultados positivos, negativos ou neutros. De posse dessas palavras, os programadores poderiam treinar os seus algoritmos.
Não é surpreendente imaginar o que aconteceu. Desde a publicação do relatório, as palavras consideradas negativas por Louhran e McDonald caíram gradativamente em desuso durante teleconferências. Os executivos, cientes de que suas palavras estavam sendo interpretadas pelos robôs e penalizando suas ações no mercado, simplesmente passaram a adotar sinônimos, ou a comunicar de uma forma cada vez mais atípica.
Os algoritmos são, em linhas gerais, parecidos uns com os outros. Isso tem levado os departamentos de Relações com Investidores até a preparar, em alguns casos, múltiplas versões do texto a ser lido durante as teleconferências, de forma a escolher a versão que melhor pontue no score dos robôs.
Se o fenômeno em questão for uma corrida entre executivos de empresas e robôs, é fácil imaginar quem será o vencedor. Os clientes dos algoritmos, usualmente gestores de fundos quantitativos, podem facilmente ajustar a programação dos algoritmos para capturar o malabarismo semântico usado pelo gestor para comunicar um resultado negativo. Desta forma, é difícil imaginar que os humanos serão capazes de ganhar das máquinas por um período razoavelmente prolongado.
No interim, no entanto, analistas humanos podem acabar se saindo melhor. Mas caso você se encaixe nessa categoria, aproveite enquanto pode. As máquinas estão chegando.
¹https://www.nber.org/digest-202012/corporate-reporting-era-artificial-intelligence