Coluna #11: Pagos para não trabalhar

Tracy Jackson tinha um emprego como cozinheira em uma faculdade local no Texas. Devido à crise da pandemia, seus empregadores decidiram demití-la. Ela foi para casa, e requisitou ao governo seu auxílio-desemprego. Agora, Tracy ganha quase o dobro do que ganhava anteriormente, empregada. Ela tem se utilizado de seu tempo em casa para refletir, e disse que não aceitará retornar caso seu salário se mantenha o mesmo.

A profunda crise econômica imposta pelas circunstâncias atuais colocou o governo americano em uma situação bastante peculiar. Como a economia foi paralisada sob comando do governo, a percepção foi de que era próprio governo quem deveria arcar com os custos. Provavelmente foi isso que fez com que a resposta, em termos de política monetária e fiscal, fosse extraordinária: tanto em tamanho como em velocidade de implementação.

A rapidez com que as políticas foram implementadas levou a alguns resultados não-intencionais. Como os sistemas estaduais não tem capacidade para implementar um benefício que simplesmente reponha os salários eventualmente perdidos dos trabalhadores, o Congresso optou por aprovar um benefício fixo a nível federal. Isso fez com que o auxílio-desemprego federal somado ao estadual ficasse, em muitos estados, acima da renda de diversos trabalhadores. Cerca de metade da força de trabalho americana tem mais a ganhar, hoje, recebendo o auxílio do que ganhava antes da crise.

Isso leva a algumas situações inusitadas. Alguns empregadores estão se preparando para reabrir seus negócios, mas estão tendo dificuldades para conseguir atrair seus antigos funcionários. É compreensível: não é por preguiça, nem por ganância, mas é a melhor decisão econômica para uma fatia da população que já tem uma renda entre as parcelas mais baixas dos trabalhadores americanos.

Essas circunstâncias afetam, potencialmente, ainda mais trabalhadores do que o esperado. Empregados da indústria de restaurantes, por exemplo, ganhavam, na média de alguns estados, mais do que os benefícios lhes pagam hoje. No entanto, uma vez autorizada a reabertura, suas rendas não deverão ser mais as mesmas. Compostas em grande parte por gorjetas, devem ser muito afetadas pela prevalência das políticas de distanciamento social que devem permanecer em vigor.

Tudo isso irá servir de base para um grande debate político que se dará nos Estados Unidos.

Na coluna anterior (link aqui), abordei como crises no passado levaram os Estados Unidos a tolerar um papel maior do Estado na economia. Há algum tempo, expoentes mais à esquerda dentro do partido Democrata advogam por uma rede de proteção social muito maior nos Estados Unidos. Alguns deputados defendem políticas de renda básica universal. A ideia é que o Estado deveria oferecer uma remuneração suficiente para que todos os cidadãos conseguissem arcar com todas as suas necessidades essenciais, como alimentação, moradia, educação e saúde, independentemente de sua situação econômica. Seriam livres para, por exemplo, não precisarem trabalhar para arcar com gastos de educação, ou não serem forçados a um trabalho indesejado para conseguirem se alimentar.

Os eleitores deverão, no fim da atual crise, estar prontos para refletir sobre as vantagens e desvantagens de políticas de um salário mínimo federal (vigente em alguns estados americanos mas sem reajustes desde 2009) e de uma renda básica universal. Rendas altas demais podem efetivamente desmotivar trabalhadores a retornarem ao trabalho, ou elevar bastante o salário médio do trabalhador – com consequências importantes para a inflação. Se os eleitores estiverem se sentindo “bem cuidados” pelo estado na crise atual, talvez sejam levados a repensar sobre qual é o tamanho ideal do Estado que desejam.

As decisões que tomarem deverão moldar o futuro político não só dos Estados Unidos, mas do mundo todo. Convém acompanhar de perto – sobretudo em ano de eleições presidenciais.

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