Carta Política #182: Um ano de Jair Bolsonaro

“Na grande mídia, dizem que eu não entendo de economia, mas vou disputar eleições no ano que vem, não o vestibular”.

(Bolsonaro, antes das eleições de 2018)

O primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, o 38º presidente desta República, se encerra nos próximos dias. Seu governo foi marcado, até agora, por forte rompimento com a linha exercida por seus predecessores, do MDB, PT e PSDB. Em seu discurso de posse, estabeleceu como diretrizes de sua gestão: propor reformas, tirar a desconfiança e o peso do governo sobre quem produz, enfrentar a crise econômica e o desemprego, restabelecer a ordem, e retirar o “viés ideológico” da política externa.

A natureza de seu gabinete foi um dos pilares pelo qual estabeleceu a mudança de rumos. Reduziu o número de Ministérios de 28 para 22, e nomeou para chefiá-los principalmente perfis militares e técnicos, com poucos políticos. Dois super-ministros se destacam por sua prominência: Paulo Guedes (Economia), o fiador das reformas econômicas; e Sérgio Moro (Justiça), que empresta seu prestígio pessoal ao governo. Apesar de muitas especulações ao longo do ano, ambos encerram o ano em seus cargos, e não dão sinais de saída iminente.

Outros ministros representam a ala ideológica do governo, se envolvendo em constantes embates com a mídia: Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). Há também ministros de perfil menos público, mas que ganhando destaque pelo bom resultado de suas pastas: Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Tereza Cristina (Agricultura).

Ainda não houve nenhuma grande reforma ministerial, mas algumas pessoas deixaram o governo. Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência, e Santos Cruz, secretário de governo, caíram após embates com a família Bolsonaro. Ricardo Vélez, ministro da Educação, foi demitido após uma série de conflitos com deputados e acusações de inépcia. Também caiu o presidente do BNDES, Joaquim Levy, após Bolsonaro afirmar que ele estava com a “cabeça a prêmio”.

Na seara econômica, Bolsonaro presidiu sobre reformas fundamentais e encerra o ano com um horizonte bastante positivo à frente. Em 2019, foi promulgada a reforma da Previdência, e foram aprovadas no Congresso as mudanças na aposentadoria dos militares. O presidente também sancionou a MP da Liberdade Econômica, que flexibilizou regras trabalhistas. Uma série de medidas na direção da desburocratização também foram anunciadas. O governo fez uma série de desinvestimentos, vendendo empresas ao setor privado. No fim do ano, houve a decepção ao redor do leilão da Cessão Onerosa, que não atraiu interesse estrangeiro.

A Selic encerra o ano em sua mínima histórica, com a inflação sob controle e boas perspectivas para a aceleração da atividade em 2020. O desemprego segue alto, mas a geração de empregos começou a acelerar no fim deste ano. Com os juros em níveis tão baixos, o Real também se desvalorizou rumo às mínimas históricas.

Na política externa, o primeiro ano do governo foi de mudanças profundas. O Brasil mudou posição e votou contra uma resolução da ONU que condena e pede o fim do embargo dos Estados Unidos à Cuba. No Oriente Médio, passou a apoiar Israel, em detrimento da histórica posição pró-Palestina, e abriu um escritório de negócios em Jerusalém. Na América Latina, se posicionou de forma mais firme na questão da Venezuela. Bolsonaro apoiou a reeleição de Macri flagrantemente na Argentina, mas o candidato foi derrotado.

Em meio ao conflito comercial entre Estados Unidos e China, optou por não tomar posição publicamente, mas deu vários sinais de alinhamento preferencial com os americanos. Tem em Donald Trump um de seus principais aliados no ambiente global, apesar de algumas promessas quebradas por parte de Washington.

A política ambiental foi um dos grandes focos de vulnerabilidade do governo ao longo do ano. O presidente foi criticado por reduzir recursos para a fiscalização, e se viu às voltas com o desastre de Brumadinho, as queimadas na Amazônia, o vazamento de petróleo na costa do Nordeste, além de conflitos com ativistas ambientais. Bolsonaro protagonizou brigas bastante públicas com o presidente da França, Emmanuel Macron, e com a chanceler alemã, Angela Merkel. Também acusou ONGs e o ator Leonardo DiCaprio de estarem por trás das queimadas.

O presidente encerra o ano com apoio parlamentar para grande parte de suas agendas, mas sem partido. Deixou o PSL para fundar uma nova agremiação, de olho nas eleições municipais de 2020. Levará alguns deputados consigo, enquanto outros irão permanecer sob o comando de Luciano Bivar, presidente da sigla.

O comportamento da família presidencial também foge à tradição dos mandatários anteriores: com três de seus cinco filhos envolvidos com política, todos eles se manifestam publicamente contra os inimigos políticos do pai, e são fortes proponentes do componente ideológico da agenda do presidente. Os embates públicos de Carlos Bolsonaro com algumas figuras foram classificados como parte do arsenal de “fritura” de aliados do presidente que estejam rumo ao cadafalso.

É também da intensa atividade política de seus filhos que surge outra frente de vulnerabilidade do presidente: o senador Flavio Bolsonaro, que é acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de crimes em sua atividade parlamentar no Estado, com eventos relacionados que chegam até à primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A oposição também tenta criar uma ligação entre a família presidencial e o assassinato da vereadora Marielle Franco, com base na alegação de laços entre a milícia no Rio de Janeiro e o presidente e seus filhos.

Bolsonaro encerra, portanto, seu primeiro ano de mandato com a área econômica como seu principal legado: reformas importantes aprovadas, índices apontando estabilidade e crescimento à frente, e uma agenda clara a ser trabalhada à frente. Por seu perfil polarizante, tem índices de aprovação um pouco mais baixos do que seus antecessores, mas com uma base fiel mais robusta. Conta com desafios importantes nas políticas ambiental e de relações externas, e também em sua relação com o Congresso conforme cria seu novo partido. Inicia 2020 sob ameaças importantes envolvendo familiares e aliados políticos, o que pode comprometer sua figura de político ilibado.

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