Carta Política #125

“Ele não tem trato com tolerância. Óbvio, vai testar as nossas instituições. Mas as nossas instituições têm se provado muito pouco capazes de lidar com esse perfil.”

Fernando Limongi, cientista política, sobre Bolsonaro

Encerrado o primeiro turno das eleições, tivemos algumas surpresas. Bolsonaro mostrou-se ainda mais forte do que indicavam as pesquisas, com 46% dos votos válidos, mas não conseguiu vencer no primeiro turno e segue para a disputa contra Haddad, que teve 29%. O Congresso viu uma renovação muito maior do que o inicialmente esperado, com os grandes partidos perdendo muita força e com a emergência do PSL como nova força política, lastreado por Bolsonaro.

Chegando com tamanha força política ao segundo turno, é difícil imaginar um cenário no qual o capitão não alcance a presidência. Considerando que retenha quase todos os votos que obteve no primeiro turno ao longo das próximas três semanas, precisa de poucos votos dos adversários derrotados para ser vitorioso. Em análise sóbria da situação, o PT percebeu que não basta conquistar todos os votos que foram com Bolsonaro no primeiro turno – o partido vai precisar de parte dos votos do PSL também, apesar do prognóstico não ser bom. O sangramento de Alckmin em 2006 foi de apenas 2,4% dos votos – pouco, para uma virada.

Conforme esperado, portanto, Haddad vem aos poucos se aproximando do centro e pintando Bolsonaro como um extremista que representa riscos à democracia. Explora fartamente as muitas opiniões inflamatórias de seu opositor e não se coloca como um candidato da esquerda, mas como um representante de todo o campo democrático. Se afasta de Lula e do próprio PT. Muda o logotipo da campanha (removendo a frase “Haddad é Lula” e adotando o verde-e-amarelo ao invés do vermelho), rechaça publicamente falas de José Dirceu, desautoriza a Gabrielli como guru econômico, abandona as propostas de constituinte. A estratégia do PT é administrar o anti-petismo.

Do outro lado, Bolsonaro se defende administrando sua própria rejeição. Provavelmente se preservará de debates enquanto não se sentir ameaçado.

Congresso

Enquanto isso, a nova legislatura começa a se acomodar. Diversos políticos tradicionais não conseguiram se reeleger. Dos que tentaram, 50% falharam para a Câmara e apenas 25% para o Senado – para ambas as casas, foi o índice mais baixo da história.

A Câmara passou de 25 para 30 partidos representados. Usando o índice Laakso-Taagepera, um conceito que visa ajustar o número de partidos ponderado por sua força relativa (em número de cadeiras), teremos no ano que vem a Câmara mais fragmentada da histórica. Os dois maiores partidos, PT e PSL, deterão juntos apenas 21% dos assentos.

O Senado passa por situação semelhante, com impressionantes 21 partidos representados pelas 81 cadeiras.

Governabilidade

Apesar da derrota a nível nacional, a esquerda cresceu em representação na Câmara. O PT perdeu cinco cadeiras e o PCdoB perdeu uma. O PSOL, no entanto, ganhou quatro, o PSB levou seis adicionais, e o PDT de Ciro Gomes conquistou 10 cadeiras a mais. Os cinco partidos juntos têm, portanto, 136 assentos (14 a mais do que na legislatura atual). Considerando uma frente mais ampla de esquerda com o PROS (8) e o PPL (1), temos 145 deputados – ou seja, 60 a menos do que o necessário para barrar reformas constitucionais.

O Senado tem uma representação da “esquerda ampla” menor: apenas 13 cadeiras ao todo, 5 a menos do que hoje. No entanto, se em 2014 podíamos considerar que existia muita coordenação entre a Câmara e o Senado por conta da supremacia do MDB e do PSDB em ambas as casas, hoje esse canal deve ser mais difícil. A REDE, por exemplo, tem 5 senadores e apenas um deputado.

Podemos ter alguma migração de deputados dos partidos menores para outros, em virtude da cláusula de barreira, o que em teoria diminuiria a fragmentação no Congresso.

No caso de uma presidência Bolsonaro, portanto, temos de início um Congresso possível de ser trabalhado, caso a nova administração consiga fazer a operação política.

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